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"...Liberdade, essa palavra
que o sonho humano alimenta
que não há ninguém que explique
e ninguém que não entenda..."

Cecília Meireles

sexta-feira, 19 de novembro de 2010

A ORAÇÃO DOS PEQUENOS (CONTO)


O feriado estava chegando, e nossa casa logo estaria cheia. Cheia não, lotada. Éramos os únicos da família que morávamos no interior, então já estávamos acostumados com a presença de nossos parentes paulistanos. Eram tios, tias, avós e muitos primos.
 A nossa casa era grande para nós cinco; papai, mamãe, meu irmão Vítor, minha irmã Helena e eu, Renata. Embora nossa casa fosse sempre limpa e organizada, antes da chegada dos parentes, minha mãe ficava alterada, queria tudo impecável, afinal ela receberia suas cinco cunhadas, com seus maridos e filhos e também a sua sogra; minha querida vovó. Meu avô, não gostava muito de viajar, então ele raramente vinha nos visitar.
Era uma loucura, pois minha mãe queria tudo muito mais limpo e muito mais arrumado. Para nós, tudo já estava ótimo, mas mamãe não achava o mesmo. Então ela dividia as tarefas domésticas, cada um ficava responsável por uma parte da arrumação. Eu não tinha muitas tarefas para realizar, apenas trocava as toalhas de rosto e os tapetinhos dos banheiros.  Meus irmãos reclamavam, dizendo que eu trabalhava pouco, então minha mãe respondia: “Ela ainda é muito pequena e também é tão magrinha, coitada”. Minha irmã era um ano mais velha do que eu, porém já era bem esperta, tinha bastante iniciativa e isso a tornava uma mocinha aos olhos de mamãe, então ela sempre ajudava mais. Ficava responsável principalmente pela arrumação dos quartos, meu irmão e papai limpavam o quintal, podavam as plantas e cuidavam do gramado. Logo a casa estava do jeito que mamãe queria. Tudo organizado, limpo e cheiroso. Eu não entendia o porquê de tanta arrumação, quando as visitas chegavam, com aquele monte de malas, sacolas, cobertores, travesseiros e edredons, tudo ficaria bagunçado de novo.
 Na hora que chegavam já começava a festa, eles chegavam buzinando, no instante em que desciam do carro já começavam os falatórios, os beijos e abraços intermináveis. As crianças corriam pelo quintal, dando volta na casa, atrás dos cachorros e do gato. Os adultos entravam em casa, sentavam-se e conversavam sem parar, era tanto assunto para colocar em dia, que um atropelava a fala do outro. Tantas novidades, falavam de tudo, principalmente das peraltices das crianças e das manias do Vovô Moisés. Logo iam todos para a cozinha, arrumavam a grande mesa, que se tornava pequena para tanta gente. Lá de fora, nós só ouvíamos vozes, risos e gargalhadas.
Embora a casa fosse grande, tornava-se pequena para acolher tanta gente, principalmente na hora de dormir. Então precisávamos improvisar camas para acomodar todos, o que deixava as noites agradáveis, pois minha mãe distribuía colchões em todos os lugares, alguns dormiam na sala de estar, outros na sala de tevê, alguns no escritório do papai, tinha colchões no chão do meu quarto e nos corredores. Era uma festa, pois as crianças dormiam todas juntas.
Meus primos tinham várias idades. Por isso formávamos dois grupos distintos na hora de brincar, porque os maiores não tinham a menor paciência com os menores, que viviam atrás da gente. Logo que chegavam os pequenos, que eram o Dudu de quatro anos, Marina e Ornella de três anos, ficavam nos seguindo por todos os lados, por mais que fugíssemos, lá estavam eles, querendo brincar conosco. Nós que éramos maiores, mas nem tanto, pois eu tinha 10 anos, minha irmã Helena e nossa prima Bianca tinham doze anos, o Vítor tinha treze e o Lucas oito; queríamos brincar nas ruas largas de nosso bairro, correr e nos esconder nos matos, de trás das árvores; é claro,  sem a presença dos pequenos, pois eles sempre caíam e se machucavam.
Foi quando minha irmã Helena teve uma idéia, foi até um quartinho na edícula, onde nossos pais guardavam coisas velhas, e pegou uma grande caixa. Ficamos todos em volta curiosos. De dentro da caixa ela começou a tirar um tecido vermelho e amarelo, foi então que me lembrei que, era uma tenda, que depois de montada, viraria uma linda casinha de boneca com porta e janelas. Todos se prontificaram a montar a casinha em cima do gramado. Os pequenos ficaram encantados, dissemos que a casinha era para eles. Montamos, colocamos dentro uma mesinha e uns banquinhos de plástico. E então eles entraram lá e ficaram brincando felizes. Enfim, nós “os grandes”, estávamos livres. Não pense que era maldade nossa, mas toda vez que eles nos acompanhavam nas brincadeiras, acabavam se machucando, chorando, e nós, os maiores, levávamos as broncas. “Eles são pequenos, por que vocês não cuidam deles?”
Nós queríamos era curtir nossas brincadeiras, se esconder muito bem para não sermos encontrados, correr para não sermos pegos, etc. ninguém queria ser babá de ninguém.
A idéia da cabana deu certo; os pequenos pegaram suas bonecas e carrinhos e ficavam horas lá dentro brincando, de casinha. De modo que, agora estávamos livres, eles só saíam de lá para comer, comiam rápido e voltavam às suas brincadeiras na casinha.
 Em um momento em que estávamos brincando de esconde-esconde, eu dirigi-me ao quintal, para me esconder na edícula, que ficava aos fundos da casa, depois do gramado. Passando pelo gramado, olhei para a casinha de boneca e não ouvi nenhum ruído, o silêncio era total, então fiquei preocupada. Lembrei-me, que Minha mãe sempre dizia: “Criança quando está quieta, pode apostar, que está aprontando”. Eu estava convencida de que os pequenos estavam aprontando alguma coisa, por isso fui verificar. Andando bem devagarzinho, em silêncio total, esgueirei-me pelo gramado até chegar à janelinha da casinha. Permaneci observando para dentro em absoluto silêncio, nem sequer ousava respirar, para não despertar suas atenções. Lá dentro os três estavam ajoelhados, com os olhos fechados, semblantes sérios com os cotovelos apoiados nos banquinhos e de mãos postas. A Marina e a Lella, tinham um véu sobre a cabeça. Foi então que Lella começou a falar:
-Irmãos, vamos orar para eu ganhar um irmãozinho e um cachorrinho.
 E começou a fazer o pedido:
-Deus, eu quero um irmãozinho ou uma irmãzinha.
Dudu e Marina diziam em coro: “Amem!”
-Eu também quero um cachorrinho.
Dudu e Marina diziam de novo: “Amem!”
E a oração prosseguia. Ela explicava para que, precisava tanto de irmãos e de um cachorro, e terminava a oração pedindo benção para todos os tios, tias, avós e primos. Eu fiquei encantada, sai de fininho sem que eles me vissem.
O final de semana prolongado acabou. Eles foram embora. Eu guardei aquilo comigo, não queria repartir com mais ninguém, acho que ninguém iria acreditar mesmo. Fiquei sabendo meses depois que Ornella, ganhou um lindo filhote de pitpoodle que se chama Winky Baby. Mas o que Ornella não entendia na ocasião, era que, apesar de ser filha única, parte de sua oração já tinha sido atendida, ela ansiava tanto por irmãos, que não conseguia ver os que estavam à sua volta. Ela já tinha o Vítor, A Helena, a Bianca, a Júlia, o Lucas, o Dudu e a Marina, depois nasceram o Matheus, o Bruno, outro Lucas, o Arthur, a Nana, o João Pedro, o Raul, o Henrique e o Bernardo.  Que menina mais abençoada, essa Ornella. Será que ela vai ter tempo e amor para todos esses irmãos?
Regina Gois
  
          

    

12 comentários:

  1. Ornella de Mello Centini20 de novembro de 2010 às 03:05

    NOSSAAAAA!!!!
    Eu estou muito grata!!
    É lindo e divertido.
    Eu sei sim oo quanto esses meus primos são importantes, verdadeiros irmãos.
    Beijos,
    Lella

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  2. Ainda bem que você gostou. Fico feliz! Ainda não defini o título. O primeiro foi: " A Oração de Lella", depois " A oração dos Pequenos", mas ainda estou em dúvida. Socorro!!!!
    Preciso de ajuda para definir o título.
    Beijos

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  3. Rê, q coisa mais meiga, adorei!!!!! Ahh, a oração dos pequenos tá bonitinho!!! Beijos
    e parabéns mais uma vez!

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  4. Nossa...nunca chorei tanto!! Que lembranças mais agradáveis, mais nostálgicas!! Viajei no tempo...quantas saudades, meu Deus!! Por quê não poderia voltar um pouquinho esse tempo, por quê??

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  5. Elaine! Não é para chorar é apenas para recordar.
    Foram dias felizes sim e virão muitos outros, tenho certeza.
    Beijos

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  6. Eliane de Mello Centini24 de novembro de 2010 às 13:26

    Querida Rê, amei este texto, você está cada vez melhor; espero em Deus que os primos nunca se separem da Lella e que sempre ela encontre neles os irmãos que não teve. Parabéns, pois além de você arrumar tempo para escrever estas coisas tão belas, ainda arruma tempo para fazer compota de frutas para a família inteira rsrsrs que delíciaaaa!!!!! beijo grande no fundo do seu coração! te amo muito!!!! Lica : )

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  7. E que continue assim..a Regina redescobriu a alegria de viver!! Somos seus maiores fãs: Fãs de poesia, fãs de contos e fãs de compotas!! beijão, rs :)

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  8. É isso mesmo Rê, vc está cada vez melhor, na poesia e na saúde, Deus que te abençõe linda. Amei esse conto tbém, muito lindo e fofo. Beijinhos.

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  9. É mesmo Rê, o conto nem se fala e a compota tava uma delicia, brigada! Que tal na próxima fazer compotas de doce de leite, daqueles bem caseiros??? kkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkk

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  10. Obrigada!
    Estou adorando esse paparico.
    Que é isso? Compota de doce de leite?
    Tem açúcar?
    Beijos

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  11. Lindo,lindo.Eu amo meus primos!
    Parabéns!!
    Beijos

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  12. Lindo !!!Amei mesmo.Que família mais grande!

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