Naquela manhã ela pulou da cama mais decidida do que nunca, pegou uma roupa no armário, vestiu-se e saiu às pressas. Foi atrás de Madame Margot, a cigana que uma amiga lhe indicara; que sabia prever o futuro, lia as mãos e ensinava simpatias.
Jamais em sua vida pensou em ir a um lugar daqueles, pedir ajuda para casar. “Onde já se viu”?
Sempre teve muitos rapazes aos seus pés; quando passava nas ruas sentia os olhares dos homens em sua direção, mas ela nem ligava, ignorava todos. Não aceitava nenhum dos muitos pedidos de namoro. Ela queria um bom partido, alguém que a levasse para fora daquela cidade pequena, cheia de morros e ladeiras. Queria um homem que morasse na cidade grande, que não fosse como os caipiras, seus conterrâneos. Esse homem não apareceu, a idade foi avançando. E agora ninguém olhava mais para ela, nenhum pedido, nenhum simples olhar. Então o jeito era apelar para ajuda. E assim, lá estava ela de chapéu e óculos escuros, não queria que ninguém a reconhecesse.
Logo que entrou na casa da cigana, uma coisa chamou sua atenção. Uma das paredes da sala estava forrada de fotos de casais sorridentes. Abaixo das fotos, as datas dos casamentos; em outra parede, havia um grande cartaz que dizia assim: Ensinamos simpatias para: arrumar casamento, ter filhos, tirar calos, curar bronquite, deixar a mulher mais fogosa, segurar marido, apressar o casamento, passar no vestibular, arrumar um bom emprego, ganhar na loteria e outras.
A cigana tomou-lhe a mão antes que ela abrisse a boca, correu os dedos compridos e magros sobre as linhas de sua mão e disse:
Estás querendo um marido, não é, minha filha?
_Sim! Respondeu ela num tom baixo
_Não se preocupe, eu estou aqui somente para atender pedidos assim. Já arranjei tantos casamentos que você nem pode imaginar. Ali naquela parede tem apenas algumas fotos, até mulheres com mais de 60 anos já desencalharam depois que vieram aqui e fizeram exatamente o que eu mandei.
_E dá certo mesmo? Perguntou Belinha, incrédula.
_Claro que sim, por essa Luz que me ilumina. Aqui tudo é sério, mas depende da pessoa que vem aqui. É preciso acreditar e fazer direitinho o que eu mandar. Entendeu...?
Depois de acertado o valor da consulta a cigana ensinou-lhe uma simpatia infalível:
_Preste muita atenção! Tudo deve ser feito do jeito que eu lhe disser, entende? Você deve ir, ainda hoje que é véspera de Santo Antônio, lá na igreja, pegue a imagem do Santo Antônio; aquele que tem o menino Jesus no colo.
_Como assim... Pegar o Santo Antônio, da Igreja? Isso não é furto?
_Deixe-me terminar de falar! Você quer casar ou não quer?
_Quero...! Mas não quero ser presa por roubar Santo.
_Ninguém falou em roubar a imagem. Você vai pegar a imagem do Santo emprestada. Entendeu? Emprestada!
Compre um copo de vidro novinho, virgem. Depois consiga leite de peito para colocar dentro do copo. Tire o menino do colo do Santo e mergulhe o Santo Antônio de ponta cabeça dizendo: “Santo Antônio, só vou devolver-lhe o menino e tirá-lo daí quando o senhor me arrumar um casamento”. O Menino Jesus você guarda em seu quarto, o copo com o Santo você devolve para a Igreja e deixa exatamente onde estava.
_Tudo bem. Quer dizer, que se eu fizer o que você está falando direitinho eu consigo um marido?
_E tem mais, se você quiser um marido rico e bonito, precisa fazer também outro trabalho, mas esse eu não vou cobrar, vou fazer como cortesia, basta apenas que você traga-me uma galinha caipira bem gorda, aquelas amarelinhas da coxa grossa. Entendeu? Caipira e bem gordinha, quanto mais gorda a galinha, mais dinheiro terá o seu marido.
_ Olha, eu não faço mais questão de marido rico, o que me importa é não ficar solteira.
_Mas nunca é ruim ter um pouco de dinheiro, não é? Hoje é quarta-feira, traga-me a galinha gorda até sexta-feira. Agora vá e boa sorte!
Belinha saiu da casa da cigana pensando: “O santo Antônio era fácil, pois era só passar na igreja na hora em que ela estivesse vazia, mas a galinha caipira não seria fácil, ninguém mais criava galinhas, mesmo em cidade pequena”. Saiu pela cidade procurando por galinhas caipira. Todos diziam que para achar galinhas assim, só indo procurar nos sítios, fora da cidade. Deixou então a galinha para o dia seguinte. Ia se preocupar agora em pegar o Santo Antônio. Foi à igreja, que ficava lá no topo da colina, sentou-se perto da imagem e pôs-se a observá-la. Fez suas rezas, depois olhou para um lado, para outro...como não viu ninguém, pegou a imagem, olhou se o menino estava solto; colocou a imagem na bolsa e saiu rapidamente, precisava descer até sua casa, que ficava na parte baixa da cidade.
Já tinha anoitecido, era uma daquelas noites frias de Junho, véspera do Dia de Santo Antônio. Em algumas casas já tinha fogueira, pessoas conversavam no quintal, comendo milho cozido, pipoca, batata doce assada e tomando quentão. Dava para sentir no ar o cheiro de gengibre com canela. Bem que ela gostaria de parar para conversar um pouco com os conhecidos, mas estava ansiosa para chegar em casa e fazer a simpatia.
Ao chegar em casa, pegou um copo de vidro no armário, abriu a geladeira pegou uma caixa de leite e encheu o copo. Pensou: “coitado do Santinho, o leite está tão gelado, vou morná-lo.” Colocou o leite em uma caneca e levou-o ao fogo. Enquanto isso sua mãe apareceu na cozinha.
_Vai tomar leite, filha?
_Não, mãe, é uma simpatia.
Antônio no copo de leite de peito?
_Sim, é essa! A senhora já conhecia?
_Claro que sim, mas...
_Mas o quê, mãe?
_Na minha receita o leite precisa ser de peito.
_ É mania desse povo, dizer leite de peito. Leite é sempre de peito, ou não é? Leite de peito! Leite é leite, não é mãe?
Pegou o santinho, tirou o menino do seu colo com cuidado e deu para a mãe segurar, enfiou o Santo Antônio dentro do copo de cabeça para baixo. E fez o pedido olhando para o copo.
_ Santo Antônio, eu só vou tirá-lo daí e devolver o seu menino quando o senhor me arrumar um casamento.
Subiu novamente a ladeira e entrou na igreja onde deixou o santinho no mesmo lugar que estava. Voltou para casa onde, pegou carinhosamente o menino Jesus e colocou-o dentro de uma caixinha no seu criado mudo.
No dia seguinte toda a família acordou com barulho do toque da campainha. Sua mãe, muito devota, ficou toda feliz com a visita do Padre. Chamou-o para dentro de casa e ofereceu-lhe café. O padre porém, disse que queria falar com Belinha em particular.
Logo que ficaram a sós ele falou: _Belinha, minha filha, você sabe por que eu estou aqui, não sabe? Tive que lavar o Santo Antônio hoje cedo. _Eu não posso aceitar esse tipo de coisa em minha igreja! – perguntou olhando para ela com seriedade. _Cadê o Menino Jesus?
_Como foi que o senhor soube que era eu?
_Toda a cidade já sabe, minha filha. Tem cinco anos que você faz a mesma coisa no mês de junho, você acha que eu me esqueci o que você fez no ano passado? Eu encontrei o Santo Antônio de cabeça para baixo todo amarrado de fita vermelha. No outro ano você enfeitou o altar do santo com velinhas vermelhas. Até aí eu aguentei, mas tirar o santinho da Igreja, não. Isso eu não posso aceitar.
_Ah, então é isso, o senhor está desmanchando minhas simpatias? Por isso que estou sem casar até hoje! _Ah, Padre. Deixe-me com o menino, somente por um mês.
_Nada disso, devolva-me o menino, ou eu vou tomar outras providências.
Ela devolveu o menino contra sua vontade. Agora sabia por que as simpatias não davam certo. Mesmo assim resolveu sair em busca da galinha. Foi em um sítio bem distante que ela conseguiu a galinha Caipira; pelo menos uma parte da simpatia ela teria de fazer.
Voltou para casa com o pobre bicho com os pés amarrados em baixo dos seus braços e cansada de tanto subir e descer ladeiras e correr para pegar a galinha. Soltou a galinha no quintal, e ficou olhando enquanto o bichinho assustado andava e ciscava. Belinha deu-lhe água, fagulhas de pão e afagou-lhe a cabeça. Quando o sol se pôs, ela percebeu que a galinha ficou inquieta, andando de um lado para outro, depois entrou em casa, subiu no sofá e ficou quietinha olhando para a televisão. “Que bichinho esperto”, pensou Belinha, sabendo que logo teria de levá-la para a cigana.
Quando Belinha chegou à casa da cigana, foi recebida com um radiante sorriso. A mulher arregalou os olhos e imediatamente pegou a galinha das mãos de Belinha.
Foi então que Belinha perguntou:_ A senhora vai sacrificá-la, mesmo?
_Claro, minha filha é preciso fazer o ritual direito, você quer ou não um marido?- disse isso enquanto apalpava o peito e as coxas da galinha.
Belinha não pensou duas vezes, mais que depressa pegou a galinha da mão da Cigana e saiu correndo, enquanto a mulher pedia pela devolução da galinha, gritando e rogando pragas.
_Belinha voltou para casa ofegante, mas satisfeita com sua nova companheira.
Logo a Galinha tinha virado um bichinho de estimação da família, tinha até um nome: Lilica. Lilica ficava ciscando no quintal durante o dia e no final da tarde, quando o Sol começava a sumir, ela pulava no sofá e ficava ali quietinha vendo televisão. E assim ficou por uns dias. Até que uma noite todos notaram que Lilica não entrou; foram ver onde ela estava. Encontraram-na empoleirada em uma árvore com um belo galo. Belinha pensou: “Até a Lilica consegue um par e eu aqui, continuo sozinha”.
_Bem, o galo apareceu aqui, não vou ficar por aí procurando o dono. Quem quiser seu galo que venha buscá-lo - falou Belinha despreocupada, e foi se deitar.
No dia seguinte, novamente acordaram com alguém tocando a companhia. Belinha, que já estava acordada, foi atender. Ao abrir o portão, foi surpreendida com a presença de um belo homem muito educado e simpático. Ele lhe disse que tinha um filho pequeno, que há alguns meses ganhou um franguinho e o franguinho, ao virar um galo, estava sempre fugindo. E o filho chorava, não se conformava com o sumiço do galo. Ele não sabia mais o que fazer, pois era viúvo e não tinha muito tempo para ficar procurando o galo. Resolveu antes de ir trabalhar, dar uma olhadinha pela vizinhança, e alguém lhe disse que ali tinha uma galinha, então ele veio ver se encontrava o seu galo. Ela lhe disse que o galo realmente apareceu lá.
Então, Belinha permitiu que o homem entrasse para pegar o galo. Foi um corre-corre, deu muito trabalho para os dois, pois o galo se recusava a ir embora, corria como louco por todo o quintal. Depois de pegar o galo e amarrá-lo pelos pés, o homem aceitou tomar o café que Belinha lhe ofereceu. Conversaram muito, e dali em diante ficaram amigos. Saíam para tomar sorvete, para ir à igreja, ir ao cinema e depois de uns meses descobriram que não podiam mais viver um sem o outro.
Regina amei sua história. Quero comprar com urgência uma galinha bem gorda, mas se não aparecer um galo no quintal, vou acertar as contas com vc!kkkkkAbraços
ResponderExcluirPara o texto: SIMPATIA PARA CASAR
Helena
Que história linda :-)
ResponderExcluirUm grande beijinho Regina.
oa.s
Regina você nos encanta!Ainda bem que nesse mundo tão violento, encontramos pessoas que nos fazem reviver o romantismo,a simplicidade e uma gota de humor que nos faz repensar e acreditar que nem tudo está perdido!Aneth.
ResponderExcluirObrigada pelo carinho. Beijos
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