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"...Liberdade, essa palavra
que o sonho humano alimenta
que não há ninguém que explique
e ninguém que não entenda..."

Cecília Meireles

sexta-feira, 10 de junho de 2011

UMA CARTA PARA A VIDA ( CONTO) PARTE l



Lia pegou a carta que sua mãe lhe entregou e não levou muito a sério; conhecia suas irmãs, sabia como elas gostavam de aprontar, principalmente a mais nova - que todos chamavam carinhosamente de Rê - esta sim, era terrível, estava sempre lhe arrumando pretendentes, dando e-mail de amigos, marcando encontros às escuras... mas dessa vez  tudo parecia diferente.  É que a mãe, que só aparecia para visitar as filhas duas vezes por ano, dessa vez trouxe a tal carta, garantindo-lhe que a carta foi entregue em sua casa, por um rapaz desconhecido.
  _Nossa! Mas quando foi que a senhora recebeu esta carta? -perguntou Lia, revirando o envelope nas mãos.
_Ah...! Já faz alguns meses - respondeu a mãe, franzindo a testa, apertando os olhos como se tentasse lembrar-se de alguma coisa. _Bem... Nós estamos em julho..., acho que foi em abril..., mas só agora eu pude vir para cá. Você sabe como é... não posso ficar vindo pra cá todos os meses, você já viu o preço das passagens? Está pela hora da morte e eu também não tenho mais saúde para ficar 7 horas sentada em um ônibus. Logo, vocês é que terão de ir pra lá se quiserem me ver. Já estou me cansando de viajar! 
- Mãe, por acaso não foi uma das meninas que deixou a carta em sua casa quando lhe visitou e pediu para a senhora trazer para mim?- perguntou Lia com um ar de desconfiança.
_De jeito nenhum! Na época que me levaram esta carta não tinha nenhuma de vocês lá, acho que era mesmo mês de abril, nem era férias nem nada. - respondeu a mãe dirigindo-se à cozinha _ Tô doida para tomar um café! _Abra o envelope que você vai ver a data, toda carta que se preza tem data!
“Era só o que me faltava” pensou Lia.
_Pode colocar a água no fogo que eu já estou indo aí para te ajudar.
Lia dirigiu-se à cozinha ainda com o envelope fechado na mão, abriu o armário, pegou o pote com o pó de café e entregou-o a mãe; depois foi até a mesa e sentou-se, deixando por conta da mãe o preparo do café.
_Vamos, minha filha, abra a carta! Não me deixe nessa curiosidade toda.- disse D. Rosalina, enquanto coava o café.
_Curiosidade! A senhora recebeu essa carta em abril, está me entregando somente agora, três meses depois e vem me dizer que está curiosa! _ retrucou Lia._ Eu te ligo toda semana e a senhora não me falou nada de carta. Se tivesse falado, eu teria pedido para colocá-la no correio, não precisava esperar até agora para trazê-la.
 _Vocês acham que eu não tenho nada para fazer, não tenho minhas preocupações? _ perguntou a mãe num tom choroso.
_Tá, mãe!! Não é para ficar assim. Além do mais, não deve ser nada importante.
D. Rosalina, então  abriu o forno, sabia que Lia era igual formiga não ficava sem  algo doce para comer,  e estava certa, tinha um apetitoso   bolo de maçã com canela por cima, pegou a assadeira e levou para a mesa e foi cortando o bolo e colocando os  pedaços em um prato. Encheu as xícaras de café, entregou uma à filha e sentou-se no outro lado da mesa, e pôs-se a mexer o café calmamente. Gostava mesmo era do aroma do café. Antes de beber, sempre ficava, assim mexendo, mexendo, só para sentir aquele cheirinho maravilhoso.
Lia olhava para o nome do remetente, mas não acreditava no que via escrito naquele envelope. Aquele  era o nome de sua primeira paixão..., seu amor da adolescência. Após abrir o envelope, pôs-se a ler silenciosamente a carta, enquanto tomava o seu café. De vez em quando sorria e sacudia a cabeça.
Sua mãe, sentada à sua frente olhava-a com curiosidade. Sabia que nada podia deixar sua filha aflita, ela tinha sempre aquele jeito  tranquilo  de levar a vida. Sempre fora assim, teve sete filhas, e ela era realmente a mais calma, sempre sorridente; mesmo nos piores momentos ela mantinha a serenidade.
_Conta logo sobre o que é! – implorou a mãe _Estou ficando aflita, você sabe que minha saúde é fraca, conta logo!!!
Ela não se sentia a vontade para falar desse assuntos com a mãe, preferia guardar aquelas recordações só para si.
_Fica calma, mãe! É de uma pessoa que eu conheci há muito tempo, na época em que eu ainda morava lá em Santa Fé; nós pegávamos ônibus juntos para ir ao colégio. Depois ele mudou-se para o Paraná e ficamos nos correspondendo por um bom tempo. Eu devia ter uns dezessete anos, depois eu vim morar pra cá, e perdemos o contato. Nossa! Como o tempo passa rápido, deve ter mais de 20 anos que isso aconteceu. _disse Lia com um olhar saudoso, lembrando-se de como esperava aquelas cartas com tanta ansiedade.
_Ah! Então é isso! - disse D. Rosalina meio desapontada – e eu aqui me descabelando. 
Lia olhou para a mãe e riu. Sua mãe tinha o dom de fazê-la rir com seus exageros. Pensou: Descabelando onde? Estava era “comendo grandes pedaços de bolo; que encontrara no forno e tomando café”.
 _O que é que ele quer depois de tanto tempo?- perguntou D. Rosalina, toda interessada.
_Quer voltar a se comunicar comigo, mandou o telefone e o e-mail
dele.- respondeu Lia
_Bom!  Como não é nada importante eu já vou indo visitar as outras meninas, você sabe como é, preciso ir  à casa de todas ainda hoje. Se não, já viu!
Depois eu decido onde vou dormir. _disse D. Rosalina, dirigindo–se à porta e saindo.
As outras filhas moravam todas ali, por perto, e ela fazia questão de visitar todas no primeiro dia em que chegava à cidade, só depois ela resolveria  onde iria dormir.
_Volte para dormir aqui, estarei te esperando - disse Lia, voltando a fitar a carta. Sabia que a mãe não voltaria, ela sempre ficava na casa que tivesse o maior número de netos.
Só agora, começou a pensar na carta com carinho, olhou novamente o nome do remetente; era um rapaz alto e muito magro, que fazia questão de sentar-se sempre ao seu lado no ônibus.
Nunca houve nada entre eles, apenas conversavam e trocavam olhares, vez ou outra  suas mãos se encontravam  acidentalmente, essas coisas de adolescentes tímidos, mas não passou disso, mesmo estando apaixonados um pelo outro.  Então um dia ele disse-lhe que estava de mudança para outra cidade e pediu o endereço da casa dela. Ficaram trocando cartas por mais dois anos. Quase que diariamente ela recebia uma carta dele. Nas cartas ele dizia o quanto gostava dela, o quanto a achava bonita. Mas ficou nisso, logo ela veio morar com as irmãs, para tentar arrumar emprego, e então veio  o casamento. E com ele, a realidade e as responsabilidades da vida de adulto. 
Naquela manhã mesmo, ela se olhara no espelho; já dava para notar algumas ruguinhas em volta dos olhos. Pensou: Será minha sina ficar sozinha?
Depois do divórcio, não tinha nem tempo nem ânimo para procurar outra pessoa. Tinha o trabalho, os estudos e o filho adolescente, tudo isso ocupava quase todo o seu tempo. E também havia aquele sentimento de descrédito nos relacionamentos, aprendera a não por fé no sexo oposto. Essa era a verdade. Contudo, não era uma pessoa amargurada. Longe disso, mesmo nos momentos difíceis do pós-divórcio, ninguém pode dizer que a viu se lamuriando. Era uma mulher forte, independente, podia muito bem se cuidar sozinha.
Claro que a carta a deixara surpresa. Ele dizia que nunca a esquecera, que guardava todas as cartinhas dela.  Comentou até sobre um desenho que ela fazia no rodapé das folhas de carta.  Pensava: Como é que alguém que ela não via há tanto tempo ainda se lembraria dela e ainda se dera ao trabalho de escrever-lhe? Parecia coisa de filme, de novela, sei lá... Que coisa!
Claro que a mãe contou para todas as irmãs sobre a carta, e logo o interesse foi geral, todas queriam saber os detalhes, o que ela faria a partir de então. A mais nova então, cujo objetivo de vida era arrumar-lhe um companheiro, ficou tão animada que foi bater em sua casa, queria ver a carta com os seus próprios olhos.
Rê era sua irmã caçula; era pequena e magra como Lia, tinha uma longa cabeleira ruiva e cacheada que descia até a cintura, a sua aparência delicada enganava, pois era uma pessoa extremamente batalhadora e inteligente, sem contanto perder seu jeito jovial.
_Menina, você está com tudo, hein! Ainda despertando paixões!! Quem diria! – falava e ria alto. _Veja aí o e-mail!  Vamos entrar em contato já!  Animada foi logo sentar-se em frente ao computador.
_Calma, Rê! Amanhã farei isso. Já é tarde. E depois eu quero refletir um pouco sobre essa carta.
A irmã não entendia a tranquilidade da outra, ela gostava de resolver tudo rápido, não deixava nada para depois, era sua natureza ser assim, o oposto de Lia, que não tinha pressa para absolutamente nada. 
Somente no dia seguinte com muita insistência das irmãs, Lia entrou em contato com Júlio - esse era o nome do remetente da carta. E foi o começo de um longo período de troca de e-mails, ele querendo encontrá-la, todo feliz por saber que ela estava sozinha, e ela, sempre dando um jeito de adiar o encontro.
No começo Lia não se empolgou muito, sabia que não era mais aquela menina de 17 anos que ele conheceu e guardara em sua mente. E com certeza era disso que ele se lembrava. Começaram então a trocar fotos; ela ficou surpresa com as fotos dele. Ele também não era mais um garoto magricela, tornara-se um belo homem, muito bonito mesmo. Até bonito demais.   Pensava: “O que faz um homem desse solto por ai”?
_ O cara é bonito! – dizia as irmãs – Veja! Ele se parece com o presidente dos Estados Unidos.
_Sem dúvida ele é bem atraente - dizia Lia, olhando para a foto, _ é verdade, lembra mesmo o Obama.
Porém, nada de marcar o primeiro encontro, ninguém acreditava no sossego de Lia. As irmãs ficavam indignadas e diziam: _Marca um encontro logo! Esperou 20 anos, agora vai esperar mais quanto tempo?
_Deixa estar! –dizia Lia, aparentando total controle da situação_ Ninguém foge ao seu destino. Se tiver de ser, será! Já estou sozinha há tanto anos, que diferença fará mais alguns meses?
A irmã mais nova respondia: _Nunca vi tanta tranquilidade, isso está me cheirando à insegurança, isso sim! Você deve estar com medo de encontrá-lo, dele não gostar de te ver mais velha. Afinal, você já está quase chegando aos quarenta.
_Absolutamente. Eu tenho lhe enviado um monte de fotos, ele sabe que não sou mais uma garota, estou um pouco insegura, mas não com a minha aparência, me sinto bem melhor hoje do que quando era mais jovem. As rugas não me assustam o envelhecer também não, me sinto ótima. A questão é que..., não estou certa se quero me relacionar com alguém novamente. Estou tão bem sozinha. – disse isso olhando serenamente para a irmã. _Faço tudo que quero; acordo e durmo quando bem entendo.  Às vezes saio com meu filho e volto somente no dia seguinte, a gente pega o carro e viaja sem dar satisfação a ninguém. Outras vezes fico parada sem pensar em nada, sem ter ninguém para me controlar, perguntar no que estou pensando, paro e leio um livro inteirinho em um dia, sem ter ninguém me aporrinhando; nos finais de semana chuvosos eu fico na cama até tarde. Meu filho já é rapaz, sabe se virar... Tenho minhas manias, você sabe como é! Dá um medo danado de perder essa liberdade toda. _Lia falava com tanta convicção, que comoveu a irmã.
_Mas... e a solidão? E nas noites frias? Não acredito que você não tenha nenhuma vontade de ter alguém, pelo menos de vez em quando, para conversar, sei lá... _ perguntou a irmã, curiosa.
_Tenho sim, é claro! Sou humana, às vezes no meio da noite tenho uma crise de melancolia, angústia... mas de manhã já passou e volto ao meu normal _respondeu Lia, como sempre, com aquele seu jeito imperturbável.
Rê apenas meneou a cabeça e ficou calada; depois de um tempo, falou: _ Isso de solidão não é comigo, gosto de ter gente por perto, não consigo me ver sozinha. Gosto de barulho, festa e um bom cobertor de orelhas...Mesmo que isso signifique não ter tanta liberdade como você tem. Nos relacionamentos precisamos aprender a ceder, isso às vezes é bastante conflitante para algumas pessoas; eu, porém, tiro de letra. 
_Não se preocupe. Nas minhas férias no final do ano, eu marco esse bendito encontro. - disse Lia, finalmente, para a alegria de todos.
O Final do Ano chegou, as férias também. Lia fez sua mala, pegou seu filho e se mandou como sempre fazia. As irmãs só ficaram sabendo da viagem quando ela já estava em Mato Grosso em uma fazenda de uma amiga, já se programando para, de lá, ir para a praia.

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